Nos últimos anos, o eNPS deixou de ser um indicador secundário e passou a ocupar espaço nas discussões de liderança. Isso aconteceu por uma combinação de fatores:

Pressões internas que aceleraram essa mudança:

  • Aumento das taxas de turnover, especialmente em posições críticas
  • Crescente dificuldade de manter equipes engajadas em modelos híbridos ou remotos
  • Demanda por métricas de clima que sejam simples, comparáveis e fáceis de reportar à diretoria

Mas tem um fator cultural importante

O eNPS se popularizou também porque soa familiar para quem já acompanha o NPS de clientes. É uma métrica com nome parecido, lógica simples e que cabe bem em relatórios de performance.

O que poucas empresas admitem:

Muita gente começou a medir o eNPS apenas porque “outras empresas estão fazendo”. Virou um KPI de fácil implementação, mas nem sempre bem interpretado.

O risco: transformar o eNPS em mais um número para preencher o dashboard, sem conexão real com ações de melhoria.

Por trás da popularidade, o desafio real é outro: usar o eNPS como ponto de partida para conversas mais maduras sobre clima organizacional e experiência dos colaboradores.

Antes de tudo: qual a diferença entre NPS e eNPS?

Embora os dois indicadores compartilhem a mesma lógica de cálculo, eles servem a propósitos bem diferentes.

O que mede cada um?

  • NPS (Net Promoter Score): Mede a probabilidade de um cliente recomendar sua empresa, produto ou serviço para outra pessoa.
  • eNPS (Employee Net Promoter Score): Mede o quanto os colaboradores indicariam a empresa como um bom lugar para trabalhar.

A pergunta de base muda apenas o sujeito:

  • No NPS: “De 0 a 10, o quanto você recomendaria a nossa empresa para um amigo ou colega?”
  • No eNPS: “De 0 a 10, o quanto você recomendaria a nossa empresa como um bom lugar para trabalhar?”

Semelhanças que geram confusão

  • Ambos usam a mesma escala de 0 a 10.
  • Ambos classificam os respondentes em detratores, neutros e promotores.
  • Ambos geram um score final que pode variar de -100 a +100.

Essa estrutura parecida faz com que muitas lideranças assumam que os dois indicadores têm o mesmo papel. Não têm.

A diferença que importa de verdade

O NPS olha para fora. Ele mede a experiência do cliente com a sua empresa.

O eNPS olha para dentro. Ele aponta como os colaboradores se sentem em relação à organização.

Uma empresa pode ter um NPS alto e um eNPS baixo. E vice-versa.

O ideal? Trabalhar os dois de forma integrada, entendendo que colaboradores engajados são peça-chave para gerar boas experiências de cliente.

Na prática, o eNPS funciona como um radar inicial. Ele sinaliza se existe um problema de clima que pode, em algum momento, afetar o NPS. A leitura isolada de qualquer um dos dois é sempre um risco.

Como calcular o eNPS na prática

O cálculo do eNPS é simples na fórmula, mas cheio de nuances na aplicação.

A pergunta base

Tudo começa com uma pergunta direta aos colaboradores:

“Em uma escala de 0 a 10, o quanto você recomendaria a nossa empresa como um bom lugar para trabalhar?”

A escolha dessa pergunta não é aleatória. Ela funciona como um termômetro rápido de sentimento geral. Mas o que parece uma pergunta simples carrega um peso emocional: ela obriga o colaborador a refletir sobre o quanto confia na empresa a ponto de indicá-la a alguém próximo.

Classificação das respostas

Depois de coletadas as respostas, você vai organizar os colaboradores em três grupos:

  • Promotores (notas 9 e 10): Pessoas altamente satisfeitas e engajadas com a organização.
  • Neutros (notas 7 e 8): Indiferentes ou satisfeitos apenas de forma superficial. Não criticam, mas também não promovem.
  • Detratores (notas de 0 a 6): Pessoas com algum nível de insatisfação ou desengajamento.

A fórmula

A fórmula do eNPS é exatamente a mesma do NPS tradicional:

eNPS = % de Promotores – % de Detratores

Ou seja:

  1. Calcule a porcentagem total de promotores.
  2. Calcule a porcentagem total de detratores.
  3. Subtraia a segunda da primeira.

Exemplo prático:

Se em uma pesquisa com 100 colaboradores, 40 deram nota 9 ou 10, e 20 deram nota entre 0 e 6:

eNPS = 40% – 20% = +20

O resultado final pode variar entre -100 e +100.

Um alerta importante

Focar apenas no número é um erro comum. O eNPS é um indicador de tendência, não um diagnóstico completo. Sem olhar para os comentários abertos ou investigar os contextos de cada grupo, qualquer ação baseada só no score pode ser precipitada.

Métrica boa é aquela que abre conversas — não aquela que só preenche o relatório.

O que fazer com os resultados: interpretando além da nota

O número final do eNPS é só o começo. Ele funciona como um alerta de tendência, mas não entrega o diagnóstico completo sobre o clima organizacional.

Por que a nota isolada engana?

Um eNPS positivo pode mascarar problemas localizados em áreas específicas. Da mesma forma, um eNPS negativo pode refletir um momento de instabilidade, sem necessariamente indicar um problema estrutural.

Antes de tirar conclusões rápidas, é fundamental olhar para:

  • Distribuição das notas: Não se limite ao score final. Analise quantas pessoas estão em cada faixa (promotores, neutros e detratores).
  • Evolução histórica: O número subiu ou caiu em relação à última medição? Qual foi o contexto de cada variação?
  • Segmentação por área, time ou localização: Isso ajuda a identificar onde estão os focos de engajamento ou de insatisfação.

O poder dos comentários abertos

Se a pesquisa incluir um campo de comentários (o que é altamente recomendado), o valor da análise sobe de nível.

Exemplo de perguntas abertas que ampliam a leitura:

  • “O que te faz recomendar ou não a empresa como um bom lugar para trabalhar?”
  • “O que você acredita que a liderança poderia melhorar?”

Essas respostas dão contexto ao número e ajudam a priorizar ações.

O que fazer com as informações

Depois de interpretar os dados, a próxima etapa é transformar o feedback em um plano de ação. Algumas práticas recomendadas:

  • Compartilhe os resultados com as lideranças, sem mascarar dados negativos.
  • Crie fóruns ou comitês internos para discutir os principais insights.
  • Defina responsáveis por liderar as ações de melhoria.
  • Monitore os impactos ao longo dos ciclos seguintes de medição.

Não adianta medir se a empresa não está disposta a agir. Pior que um eNPS negativo é um eNPS ignorado.

O verdadeiro valor do eNPS aparece quando ele vira ponto de partida para conversas difíceis e decisões corajosas.

Erros comuns ao medir eNPS (e como evitar cada um deles)

Por trás de um número aparentemente simples como o eNPS, existem várias armadilhas que podem distorcer o resultado, gerar interpretações equivocadas ou, pior, desacreditar a iniciativa internamente.

Abaixo, alguns dos erros mais frequentes que vemos na prática — e como evitar cada um deles:

Tratar o eNPS como meta de performance

Quando o eNPS vira uma meta numérica oficial (com bônus atrelado, por exemplo), o risco de manipulação de resultados aumenta. Colaboradores podem se sentir pressionados a responder de forma mais positiva, apenas para “não prejudicar o time”.

Como evitar:

Use o eNPS como indicador de tendência e saúde organizacional, não como KPI individual ou de curto prazo.

Coletar em momentos de alta tensão organizacional

Medições logo após layoffs, mudanças estruturais ou conflitos internos podem gerar um pico artificial de detratores, que não representa o sentimento de médio prazo.

Como evitar:

Espere o ambiente estabilizar antes de aplicar a pesquisa. E, se for inevitável medir em momentos críticos, contextualize o resultado na análise.

Não garantir o anonimato da pesquisa

Esse é um dos erros mais graves. Se o colaborador sentir que pode ser identificado, o viés de resposta positiva por medo de represália cresce. O resultado perde completamente a validade.

Como evitar:

Use ferramentas que assegurem a confidencialidade. Na comunicação prévia, reforce que as respostas são anônimas e que não haverá identificação individual.

Ignorar a análise qualitativa

Focar apenas no número final e não analisar os comentários abertos é desperdiçar a parte mais rica do eNPS. O que as pessoas escrevem diz muito mais sobre o clima do que a nota.

Como evitar:

Sempre inclua campos para feedback adicional e dedique tempo para analisar os padrões dessas respostas.

Fazer a pesquisa e… não dar retorno

Medir o eNPS e depois não compartilhar os resultados com o time é uma das formas mais rápidas de matar a confiança no processo. Os colaboradores passam a sentir que a opinião deles não gera impacto real.

Como evitar:

Crie o hábito de apresentar os resultados e, principalmente, mostrar quais ações serão tomadas a partir do feedback recebido.

Regra de ouro:

Se a empresa não está preparada para ouvir e agir, é melhor não medir.

Como conectar o eNPS com a experiência do cliente (sim, existe relação)

Pode não parecer óbvio à primeira vista, mas existe uma conexão direta (e muitas vezes subestimada) entre o eNPS e o NPS. Empresas com altos níveis de engajamento interno tendem a entregar experiências melhores para seus clientes. Isso não é discurso motivacional. É um ciclo de causa e efeito que já foi comprovado em diversas pesquisas de mercado.

Por que colaboradores engajados geram clientes mais satisfeitos?

Algumas razões práticas explicam essa relação:

  • Atendimento com mais empatia e agilidade: Pessoas engajadas têm mais disposição para resolver problemas e entender o cliente além do básico.
  • Menor rotatividade: Times com menos turnover mantêm a consistência nos processos e no relacionamento com o cliente.
  • Melhor clima interno = menos falhas: Ambientes de trabalho mais saudáveis reduzem erros operacionais, atrasos e conflitos entre áreas que impactam o cliente no final da jornada.
  • Alinhamento cultural: Empresas com alto eNPS geralmente têm times que compreendem melhor a missão, os valores e o propósito da organização, refletindo isso em cada interação com o cliente.

Como criar uma leitura integrada?

Se a sua empresa já mede os dois indicadores (NPS e eNPS), vale olhar para alguns cruzamentos de dados:

  • Comparar variações no tempo: Mudanças no eNPS antecedem ou acompanham oscilações no NPS?
  • Analisar por área de impacto: Times com baixo eNPS estão ligados a pontos de atrito na jornada do cliente?
  • Criar ações conjuntas: Iniciativas de melhoria de clima podem ser pensadas em conjunto com projetos de melhoria da experiência do cliente.

Em empresas maduras em gestão de experiência, NPS e eNPS não são silos separados. São peças de um mesmo sistema.

Conclusão: O eNPS é um termômetro. A transformação depende de ação.

Medir o eNPS é relativamente fácil. O verdadeiro desafio começa depois: interpretar com profundidade, comunicar com transparência e agir com consistência.

Usado de forma isolada ou apenas como métrica de vaidade, o eNPS não traz valor real. Mas quando integrado a uma cultura de escuta ativa e melhoria contínua, ele se transforma em um dos sinais mais importantes de saúde organizacional.

O eNPS aponta para onde olhar. Mas quem muda a realidade é a liderança, com decisões corajosas e foco genuíno nas pessoas.

Se sua empresa está pronta para ouvir de verdade, o eNPS pode ser um ótimo começo.